CARTA ABERTA DOS MISSIONÁRIOS COMBONIANOS SOBRE ECONOMIA E VIDA Gerir o espaço em que a gente vive (oikos-nomos/normas da casa = economia) continua sendo um grande desafio para os humanos. Principalmente quando as regras que deveriam garantir participação e equânime distribuição dos bens entre os diferentes membros da casa são elaboradas e aplicadas somente por alguns. E mais: elaboradas para favorecer somente um pequeno grupo em detrimento dos demais. Paradoxalmente, este é, hoje em dia, o resultado mais ‘aprimorado e sofisticado’ da milenar luta humana para garantir acesso aos bens da vida para todos os seres humanos... O ser humano, desde que se assumiu como ‘homo sapiens’, quase que movido por uma pulsão interior, sempre tem procurado encontrar formas de ocupar e dominar territórios para controlar, gerar, trocar e distribuir bens que pudessem, de um lado, garantir sobrevivência e futuro para si e para o seu grupo, e do outro, acumular poder/prestígio sobre outros humanos competidores. Isto lhe tem custado infindáveis lutas e sangrentos conflitos entre si, gerando ao longo da história sistemas econômicos contraditórios e antagônicos. O homo sapiens de 2010 encontra-se a viver num cenário econômico caótico, fruto de suas escolhas e de suas ambições desmedidas. Fruto também de crenças produzidas por ele mesmo. Segundo estas, ele seria abençoado ao conseguir acumular sempre mais riquezas. Os bens acumulados seriam a prova da bênção divina de um fantasmagórico ídolo criado a sua própria imagem com a finalidade de justificá-lo e abençoá-lo em seus desenfreados desejos acumulativos. Hoje, esse homo sapiens é incapaz de compreender o seu status de refém das normas e regras que ele mesmo produziu para beneficiar única e exclusivamente a si próprio e a uma exígua minoria de seus pares na difícil tarefa de ‘gerir a casa/planeta’. É com o intuito de desmascarar a dependência humana de pulsões e desejos irrefreáveis de acumular, consumir e controlar bens que as igrejas do CONIC (Conselho Nacional das Igrejas Cristãs) promovem mais uma Campanha da Fraternidade Ecumênica tendo como tema: economia e vida. Em sua reflexão e denúncia as igrejas cristãs não querem simplesmente condenar aquela economia alicerçada unicamente no mercado, ou seja, o gerenciamento da casa alicerçada no comprar e vender. As igrejas do CONIC são mais ousadas. Em primeiro lugar, atacam o caráter absolutista e divino com o qual o atual modelo econômico do ‘livre mercado’ se apresenta à sociedade global. De fato, ele parece nos dizer que não há alternativas além dele. Ele se apresenta como único e verdadeiro ‘deus’ a ser venerado e adotado. Nesse sentido cada cristão deve optar: ou servir e adorar o Deus da vida e da solidariedade, ou o ídolo dinheiro que representa simbolicamente a sede de acumulação e de lucro. Em segundo lugar, as igrejas despem da roupagem de falsa naturalidade a ‘economia comercial e financeira neoliberal’, mostrando que a compulsão doentia embutida nos comportamentos de só acumular, especular, vender, comprar e lucrar não é inata como os seus sacerdotes querem nos fazer crer. Frequentemente o neoconsumismo se apresenta como se fosse uma etapa natural, a mais perfeita e acabada da longa evolução humana. Em terceiro lugar, sem se adentrar em detalhes técnicos, mas a partir de valores antropológicos, éticos e teológicos consolidados, as igrejas do CONIC afirmam que chegou a hora de propor ‘novas regras e modelos’, a serem plasmados por outros sujeitos sociais, para assumirmos um novo jeito de gerir a casa universal em que todos tenham vida plena. Em outras palavras, se diz que os sujeitos sociais que sempre foram excluídos da elaboração das regras da casa e dos bens socialmente produzidos têm o direito/dever de participar e mudar o lado da mesa. Nessa nova dimensão, a palavra chave torna-se a solidariedade, e não mais a acumulação egoísta e a ânsia consumista. Os Missionários Combonianos do Brasil Nordeste não poderiam deixar de fazer eco a quanto as igrejas cristãs denunciam e anunciam para uma ‘casa/oikos’ mais acolhedora, equânime e solidária. Entendemos que, historicamente, a prática pastoral eclesial, se de um lado sempre tem cultivado uma profunda sensibilidade cristológica para com as vítimas da pobreza, da exploração e da escravidão social e econômica, por outro lado, tem subestimado a importância do conhecimento técnico/acadêmico das relações e dos modelos econômicos que vigoram na sociedade. Esse fato, não raras vezes, redundou na ausência de críticas contundentes e competentes aos modelos econômicos que vêm desumanizando milhões de seres humanos. Acreditamos que tenha chegado a hora de iniciar um grande movimento social e eclesial que tenha como eixos norteadores: 1. Um amplo e permanente estudo e aprofundamento das modificações e adaptações dos atuais modelos econômicos, principalmente, o neoliberal, visando penetrar sempre mais na sua lógica, na sua ‘mística’ e nas suas articulações sociais e políticas com grupos, instituições e governos que o promovem e sustentam. Os ‘gurus’ intelectuais e financeiros de tais modelos econômicos remodelam permanentemente suas justificativas e teorias, aprimorando de forma sempre mais sofisticada os mecanismos que impõem, renovam e perpetuam desigualdades, consumismo degradante, destruição ambiental, indigência e miséria. Como missionários inseridos na oikos não podemos ficar alheios ao estudo das práticas e linguagens complexas que são utilizadas, evitando, assim, permanecer somente em meros apelos moralistas ou em críticas genéricas a um modelo econômico degradante. 2. Dar visibilidade, reproduzir e aplicar de forma contextualizada aquelas experiências bem sucedidas de ‘economia solidária’. Entendemos que apelar genericamente à ‘economia solidária’ sem enfatizar e provar historicamente a sua viabilidade não somente desde um ponto de vista econômico - com agregação de maior equidade, racionalidade e humanidade nas relações de produção, - não vai produzir impactos positivos na sociedade global. Acreditamos que essas formas de economia solidária existentes hoje em vários lugares do planeta, embora surjam no berço de um modelo iníquo - e talvez por ele contaminadas,- podem começar a se impor se como sociedade e igreja formos intransigentes com aqueles direitos econômicos que já foram politicamente consagrados, e lutarmos decididamente por outros novos. Acreditamos, enfim, que o planeta do homo sapiens e de mais de 10 milhões de seres vivos está numa grande encruzilhada devido às extensas e planetárias contradições criadas pelo atual modelo econômico hegemônico. Por isso, estamos num momento favorável. Chegou a hora de sermos mais ousados, arriscando, exigindo e pressionando para uma economia com plena equidade eco-social. Combonianos Nordeste - Março de 2010 Acesse: www.ecooos.org

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